segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

DO BAÚ DE LEMBRANÇAS


O ÚLTIMO TEXTO DE RIBAMAR LOPES

Esse texto foi, certamente, a última contribuição do escritor e poeta RIBAMAR LOPES para Literatura de Cordel. Trata-se do prefácio da primeira edição do meu livro ACORDA CORDEL NA SALA DE AULA. Na verdade, não posso assegurar que tenha sido o seu último escrito, mas há grande probabilidade, pois esse prefácio foi solicitado em janeiro de 2006 e entregue uns três ou quatro dias antes de sua morte,  Segue o texto integral, tal e qual foi publicado no livro:


Ribamar discursa no lançamento do livro anterior, "São Francisco de Canindé 
na Literatura de Cordel", também prefaciado por ele.

PREFÁCIO DO LIVRO ACORDA CORDEL

Em meados de 1940, estudante no grupo escolar da minha cidade no interior do Maranhão, caíram-me às mãos os primeiros folhetos de cordel de que tive conhecimento. Afeito à prática semanal da leitura em voz alta na classe, o ouvido era habituado ao ritmo e à sonoridade dos versos recitados nas sessões literárias, também semanais, em sala de aula, adotei, de pronto, o folheto, incluindo-o entre minhas leituras prediletas. Encantaram-me, além da sonoridade, do ritmo e da harmonia das estrofes, a maneira descontraída como eram contadas histórias fabulosas, de amor ou de aventuras, ou, ainda, de gracejo e de cunho picaresco, e a objetividade e simplicidade dos textos, elementos que eu já identificara e apreciara, certamente por muito se aproximarem da nossa linguagem coloquial. Logo me vi, nas tardes de domingo, lendo folhetos para famílias da vizinhança, entre as quais não havia pessoas alfabetizadas, ou que, se as houvesse, preferiam a leitura com o entusiasmo, a desenvoltura e a interpretação que eu sabia imprimir àqueles versos.

O curioso é que, menino ainda, cursando o terceiro ano primário (era esta a denominação de então), mas já capaz de identificar incorreções de grafia naqueles textos produzidos por poetas populares, em sua maioria pessoas de poucas letras incorreções - algumas vezes agravadas nas próprias gráficas, através das muitas reimpressões dos folhetos -, não me sentia impressionar nem influenciar por aqueles senões, por considerá-los decorrentes da natureza e das circunstâncias daquela manifestação literária.

A leitura de folhetos para grupos de pessoas não alfabetizadas sempre foi prática comum desde que a literatura de cordel se fez difundida entre nós. A curiosidade pelo conteúdo dos simpáticos livrinhos, despertada tanto pela natureza de suas histórias quanto por sua identificação com elementos da nossa cultura popular, levava as pessoas a aguardarem com ansiedade o momento em que alguém lhes viesse ler os raros folhetos trazidos do mercado ou das feiras por algum parente ou conhecido. E foi essa curiosidade pelas histórias versadas no folheto popular que começou a despertar, principalmente na nossa zona rural, o interesse das pessoas pelo aprendizado informal da leitura.



O Professor Veríssimo de Melo, no estudo introdutório que escreveu para Literatura de Cordel Antologia, editada pelo Banco do Nordeste, depois de destacar o papel do folheto popular como veículo de comunicação de massa, antes da penetração, nas áreas rurais, do jornal, do rádio e da televisão, assinala:

"Outro papel importante exercido pela literatura de cordel diz respeito à sua função como auxiliar de alfabetização. Sabe-se que incontáveis nordestinos carentes de alfabetização aprenderam a ler deletreando esses livrinhos de feira, através de outras pessoas alfabetizadas. Numa época em que as cartilhas de alfabetização eram raras e não chegavam gratuitamente ao homem rural, o folheto de cordel cumpria espontaneamente essa alta missão social."

O próprio Arievaldo Viana, autor deste Acorda cordel na sala de aula, declara, em depoimento inserido nessa obra, ter feito praticamente sozinho seu aprendizado de leitura, tendo como motivação o folheto de cordel.

Não é, pois de estranhar que esse jovem poeta e estudioso da literatura de cordel esteja empenhado na implantação desse ambicioso e justificado projeto de adoção do CORDEL na sala de aula “como ferramenta auxiliar na educação de crianças, jovens e adultos”, projeto que se justifica não apenas por constituir o folheto elemento auxiliar no processo de alfabetização, mas também por ser a temática da literatura de cordel constituída de variados e ricos elementos da cultura popular nordestina, ou, para citar novamente o Professor Veríssimo de Melo, “porque, antes de tudo, essas modestas publicações do poeta popular revelam e condensam, na sua pureza, a expressão legítima de uma realidade social”.

Ribamar Lopes

Janeiro de 2006

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