sábado, 4 de março de 2017

99 anos sem LEANDRO


Ilustração: Arievaldo Vianna

99 ANOS SEM LEANDRO, 
O PAI DA LITERATURA DE CORDEL


 Hoje, 04 de março de 2017, fazem exatamente 99 anos que o poeta Leandro Gomes de Barros transportou-se para outro plano. Do mesmo modo que a sua vida, a morte de Leandro também é envolta em lendas e controvérsias. Sabe-se, seguramente, que a data foi 04 de março de 1918, pois isso consta em folhetos editados pelo seu genro Pedro Batista entre 1918 e 1921 e na sua certidão de óbito, encontrada num cartório do bairro de São José, no Recife-PE. A causa e o local exato é que são controversas, embora tenhamos cópia de sua certidão de óbito lavrada em um cartório no bairro de São José, no Recife, que traz à tona informações dignas de crédito. Ruth Terra, que entrevistou uma de suas filhas, afirma que Leandro morreu no Recife, na rua Passos da Pátria, número 35. No dia 07 de março o jornal A Província, de Recife, noticiou deste modo a morte do grande poeta:

"Aos primeiros minutos da manhã de anteontem, faleceu em sua residência, à Rua Passos da Pátria, nº 35, o poeta popular Leandro Gomes de Barros. Possuidor de grande inspiração poética, Leandro Gomes publicou grande número de histórias rimadas que tinham grande aceitação, não apenas no interior do estado como também nesta capital e em outros estados. Em seus livros de versos, embora não fossem confeccionados com a métrica e estilos exigidos pela arte, encontra-se a verdadeira poesia, cheia de sentimento e inspiração. À família do saudoso poeta levamos os nossos sentimentos."

É oportuno ler o que escreveu Permínio Ásfora, no Diário da Noite de Recife, em 13 de dezembro de 1949, em artigo intitulado “Crise no romanceiro popular”:

Trechos de sua vida são lembrados ainda hoje. Contam que já morava aqui no Recife quando um senhor de engenho, indignado com um morador, resolveu aplicar neste uma sova de palmatória. (...) Um dia o senhor de engenho é surpreendido por violenta punhalada vibrada pela mesma mão que levara seus bolos. O poeta Leandro aproveita o caso policial, transformando-o em folheto que era um libelo contra o senhor de engenho. Descreve em "O punhal e a palmatória", com calor e simpatia, a inesperada vindita. O chefe de polícia, enfurecido com a literatura de Leandro, manda metê-lo na cadeia. Apesar de folgazão, Leandro era homem de muita vergonha e de muito sentimento. E como naquele já distante ano de 1918 a cadeia constituía uma humilhação, à humilhação da cadeia sucumbiu o grande trovador popular.

Ásfora cita a seguir uma estrofe do dito folheto que afirma ser a primeira:

“Nós temos cinco governos
O primeiro, o Federal,
O segundo o do Estado,
O terceiro, o municipal,
O quarto é a palmatória
E o quinto o velho punhal”.

Ruth Terra(1), nas pesquisas de seu livro já mencionado, encontrou  o dito folheto “A palmatória e o punhal” no acervo dos Fundos Vila-Lobos e constatou que a primeira estrofe difere daquela citada por Permínio Ásfora:

“Desde que entrou a República
Que o nosso país vai mal
Pois o lençol da miséria
Cobriu o mundo em geral
Deixando a mão entregue
À palmatória e ao punhal”.



Ruth Terra teve o cuidado de verificar se a estrofe recolhida por Permínio Ásfora achava-se em outro trecho do referido folheto localizado nos Fundos Villa-Lobos, mas não a encontrou. Como o folheto localizado por ela não tem data, fica difícil saber se é a mesma edição apreendida pelo chefe de polícia de Recife em 1918 ou se a estrofe recolhida por Permínio Ásfora foi apenas retida na memória de algum fã do poeta e deturpada ao longo dos anos.
Outros pesquisadores afirmam que Leandro morreu vítima da influenza espanhola, uma gripe mortífera que assolou o Brasil no início do século passado. Egídio de Oliveira Lima(2), por sua vez, diz que Leandro morreu "de uma enfermidade que o havia atacado uns dez anos antes" (Lima, 1978: 156), e no seu ATESTADO DE ÓBITO consta como causa mortis ANEURISMA.
Após a morte de Leandro, em 1918, seu genro Pedro Batista (irmão de Chagas Batista e esposo de Rachel Aleixo de Barros), continuou editando a obra do sogro em Guarabira-PB, fazendo algumas revisões de linguagem. Na 3ª edição completa de O Cachorro dos Mortos, um dos maiores clássicos de Leandro, publicado em Guarabira-PB em 1919 (um ano após a sua morte), Pedro Batista colocou o seguinte aviso:

“Tendo falecido o poeta Leandro Gomes de Barros passou a me pertencer a propriedade material de toda a sua obra literária. Só a mim, pois, cabe o direito de reprodução dos folhetos do dito poeta, achando-me habilitado a agir dentro da lei contra quem cometer o crime de reprodução dos ditos folhetos.”
Ainda na contracapa do dito folheto, Pedro Batista dá nome aos “bois” responsáveis pela “pirataria”:

“Já achava-se este folheto em composição quando chegou ao meu conhecimento que em Belém do Pará, um indivíduo de nome Francisco Lopes e no Ceará um outro de nome Luiz da Costa Pinheiro, têm criminosamente feito imprimir e vender este e outros folhetos do poeta Leandro Gomes de Barros, sem a menor autorização de minha parte que sou o legítimo dono de toda a obra literária desse poeta. (...)”

Ora, bem pior fez João Martins de Athayde, que após adquirir por compra o espólio de Leandro, tentou usurpar-lhe a autoria suprimindo o seu nome da capa dos folhetos e alterando os acrósticos que Leandro utilizava no final dos poemas, a fim de confundir a identificação.  Essa prática condenável verifica-se em dezenas de obras reeditadas por Athayde. Vejam só o que aconteceu com a última estrofe  do folheto “A Força do Amor ou Alonso e Marina”, onde o acróstico LEANDRO  foi alterado para IEANJRO.

Folheto editado pelo autor:

Levemos isso em análise
Então vê-se aonde vai
A soberba é abatida
No abismo tudo cai,
Deus é grande e tem poder
Reduz ao pó qualquer ser
O poder d'Ele não cai.

Versão de João Martins de Athayde:

Isto fica como exemplo
Então vê-se  aonde vai
A soberba é abatida
No abismo tudo cai
Jesus é grande em poder
Reduz ao pó qualquer ser
O poder d'Ele que é pai.

A venda dos direitos autorais de Leandro Gomes de Barros, pela viúva do poeta, Dona Venustiniana Aleixo de Barros, a João Martins de Ataíde ocorreu em 1921. O pesquisador Sebastião Nunes Batista, que muito se empenhou pela restituição de autoria de Leandro e de outros poetas populares, informa como se deu essa transação, em artigo intitulado “O seu ao seu dono...” publicado na revista Encontro com o Folclore (Rio de Janeiro, 5 de abril de 1965):

“D. Vênus, como era chamada na intimidade, desentendera-se com o seu genro Pedro Batista, porque tendo este enviuvado de sua filha Rachel Aleixo de Barros, que faleceu de parto da pequena Djenane, não concordou em que a menina fosse para companhia da avó materna, e esta em represália autorizou João Martins de Athayde a editar parte da obra literária do grande poeta popular paraibano Leandro Gomes de Barros.”

Um dos filhos de Leandro, Esaú Eloy Barros de Lima, assinou juntamente com mãe o documento de venda da obra de seu pai ao poeta João Martins de Athayde, em abril de 1921. A venda foi efetuada no dia 13 e o documento foi registrado em cartório no dia 16 do mesmo mês.

O TEXTO INTEGRAL DO DOCUMENTO DE VENDA, CONFORME Sebastião N. Batista, (In Literatura Popular em Verso  Estudos, pág. 452 da segunda edição - Editora Itatiaia, 1986):

“CONTRATO DE VENDA DE PROPRIEDADE LITERÁRIA”

A abaixo assinada, viúva do poeta popular LEANDRO GOMES DE BARROS, tendo ficado com a propriedade exclusiva de todas as obras do referido poeta, declara pelo presente ter vendido ao Sr. JOÃO MARTINS DE ATAÍDE a mesma propriedade pela quantia de seiscentos mil réis (600$000), cuja importância me foi paga em moeda legal do país, pelo que poderá usar de todos os direitos que lhe são conferidos por lei, fazendo da mesma o uso que lhe convier.  Jaboatão, 13 de abril de 1921  (a) VENUSTINIANA EULÁLIA DE BARROS.  (a) JOÃO MARTINS DE ATAÍDE.  Cunha: - (a) Esaú Eloi de Barros Lima  (a) Aprígio José de Lázaro. Reconheço as firmas dos constantes e das suas testemunhas.  Recife, 16 de abril de 1921  em testemunho da verdade  (a) Tavares de Genésio Barreto.”

(Conforme cópia do original fornecida ao Prof. Mark Curran, em Recife, agosto de 1966, por um filho do poeta-editor João Martins de Ataíde).

[1] - Ruth Brito Lemos Terra - Memória de Lutas: Literatura de Folhetos no Nordeste  1893  1930, editora Global, 1983.
[2]  Egídio de Oliveira Lima, Folhetos de Cordel, Edição UFPB, 1978, pág. 156.



ENCONTRADA A CERTIDÃO
DE ÓBITO DE LEANDRO

Cristina da Nóbrega, seguindo pistas fornecidas pelo autor destas linhas, pesquisou nos cartórios do Bairro de São José, no Recife, e localizou o livro onde está assentada a CERTIDÃO DE ÓBITO do grande poeta. Algumas informações curiosas, prestadas por seu filho Esaú Eloy de Barros Lima (quem, por sinal, assina o documento), são bem reveladoras. Ele informa que seu pai tinha 58 anos de idade, e não 53, na data de seu falecimento, o que remete seu nascimento para 1860, ao invés de 1865, data divulgada oficialmente. Diz que Leandro era filho de José Gomes de Barros Lima e Adelaide Gomes de Barros (seu nome de solteira era Adelaide Xavier de Farias). Era comerciante, faleceu na rua Passos da Pátria, bairro de São José, às 9h30 da noite do dia 4 de março de 1918, tendo como causa mortis aneurisma. Nessa data, Rachel Aleixo de Barros Lima, a filha mais velha, tinha 24 anos, Esaú Eloy, o declarante, 17 anos, e as suas irmãs Julieta (na certidão está grafado erroneamente Juvanêta)[1] e Herodias eram também menores.
Após a morte de Leandro, seu genro Pedro Batista (irmão de Chagas Batista e esposo de Rachel Aleixo de Barros) continuou editando a obra do sogro em Guarabira (PB), fazendo algumas revisões de linguagem, entre 1918 e 1921.
Em 1921, após desentender-se com o genro, a viúva do poeta, Dona Venustiniana Aleixo de Barros, vendeu seu espólio literário a João Martins de Athayde. O pesquisador Sebastião Nunes Batista, que muito se empenhou pela restituição de autoria de Leandro e de outros poetas populares, informa como se deu essa transação, em artigo intitulado "O seu ao seu dono...", publicado na revista Encontro com o Folclore (Rio de Janeiro, 5 de abril de 1965):


D. Vênus, como era chamada na intimidade, desentendera-se com o seu genro Pedro Batista, porque tendo este enviuvado de sua filha Rachel Aleixo de Barros (que faleceu de parto da pequena Djenane, em junho de 1918), não concordou em que a menina fosse para companhia da avó materna, e esta em represália autorizou João Martins de Athayde a editar parte da obra literária do grande poeta popular paraibano Leandro Gomes de Barros.

[1] - Na certidão de batismo e no registro civil o nome da filha de Leandro é grafado Gilvaneta. Ela preferia, no entanto, ser chamada de Julieta.

[In Leandro Gomes de Barros - Vida e Obra. Arievaldo Vianna]

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