quinta-feira, 30 de março de 2017

O SANTANINHA





PESQUISA JOGA NOVAS LUZES SOBRE OS PRIMÓRDIOS DO CORDEL BRASILEIRO

Alguém já ouviu falar do Santaninha? Os pesquisadores Arievaldo Vianna e Stélio Torquato seguiram as pegadas desse poeta popular citado por Sílvio Romero, Mello Moraes Filho, Barão de Studart e José Calazans (dentre outros) como um dos precursores da Literatura de Cordel. A pesquisa abrange citações em livros do século XIX e primórdios do século XX, notas publicadas em dezenas de jornais e revistas do Ceará, Maranhão, Pernambuco e Rio de Janeiro e narra a saga desse poeta potiguar, natural da Vila de Touros-RN, nascido em 1827, autor de, pelo menos, 10 folhetos de cordel publicados entre 1873 e 1883. Com muito esforço os autores obtiveram também o texto integral de quatro poemas de Santaninha, todos em sextilha!
Trata-se de uma biografia e alentado estudo sobre a obra de Santaninha, acompanhado de uma Antologia com os quatro poemas já mencionados, a saber: O Imposto do Vintém, A Guerra do Paraguai, A Seca do Ceará e o Célebre Chapéu de Sol.  O livro sairá em breve pela META EDITORIAL. Lançamento previsto para a BIENAL INTERNACIONAL DO LIVRO DO CEARÁ.


Os pesquisadores Arievaldo Vianna e Stélio Torquato, com alunas do Curso de Letras da UFC

O OVO E A GALINHA: UM ESTUDO SOBRE OS PRIMÓRDIOS DA LITERATURA DE CORDEL

HOJE 18/04 - terça-feira, na XII Bienal Internacional do Livro do Ceará: Mesa Redonda SANTANINHA - UM POETA POPULAR NA CAPITAL DO IMPÉRIO. AMANHÃ, 19/04, às 16 horas, lançamento do livro na PRAÇA DO CORDEL.
A incrível saga de um retirante da Seca de 1877 que fez sucesso como CORDELISTA em pleno Rio de Janeiro! Embora seja desconhecido pela maioria dos pesquisadores atuais, João Santana de Maria - O SANTANINHA é citado por Sílvio Romero, Mello Moraes Filho, Barão de Studart e José Calazans (dentre outros) como um dos precursores da Literatura de Cordel. É citado também por JOSÉ DE ALENCAR numa caderneta de anotações que utilizou para composição do romance O SERTANEJO e para o livro O NOSSO CANCIONEIRO! Essa caderneta faz parte do acervo do Museu Histórico Nacional (RJ).
A pesquisa de Arievaldo Vianna e Stélio Torquato abrange citações em livros do século XIX e primórdios do século XX, notas publicadas em dezenas de jornais e revistas do Ceará, Maranhão, Pernambuco e Rio de Janeiro e narra a saga desse poeta potiguar, natural da Vila de Touros-RN, nascido em 1827, autor de, pelo menos, 10 folhetos de cordel publicados entre 1873 e 1883. Com muito esforço os autores obtiveram também o texto integral de quatro poemas de Santaninha, todos em sextilha!

Quem surgiu primeiro? A grande polêmica entre alguns pesquisadores é saber quem publicou folhetos primeiro, se Leandro Gomes de Barros, considerado o ‘pai da Literatura de Cordel’, ou se tal primazia coube a Silvino Pirauá de Lima, ambos paraibanos. Contando em desfavor do segundo está o fato de não terem se conservado seus folhetos mais antigos, ao passo que boa parte da produção de Leandro está preservada no acervo da Casa de Rui Barbosa e na Biblioteca Átila de Almeida, em Campina Grande, com folhetos datados da primeira década do século XX. Antes desses pioneiros, entretanto, um bardo e também rabequista veio a publicar folhetos populares em sextilhas, através da Livraria do Povo, de Pedro Quaresma, no Rio de Janeiro, com formato muito aproximado do autêntico cordel nordestino, quase duas décadas antes de Leandro.
Trata-se do poeta João Sant’Anna de Maria, o Santaninha, autor do folheto O Imposto do Vintém, publicado em 1880. Antes desse cordel, já havia publicado um poema sobre a Guerra do Paraguai. Santaninha revendia seus folhetos no centro da então Capital do Império, cantando-os ao som da rabeca. Parte do conteúdo desses folhetos encontra-se registrada nos Anais do Museu Histórico Nacional. Também tivemos acesso a um folheto integralmente preservado, com quatro poemas de Santaninha, no acervo da Biblioteca Nacional, publicados entre 1879-1881.
Os cronistas daquela época e até mesmo alguns editores classificavam a produção de Santaninha e outros poetas populares como livretos de “modinhas” à falta de melhor definição, pois o termo Literatura de Cordel, trazido de Portugal, ainda não havia se popularizado no Brasil. Essa, aliás, era prática comum, como ratifica Vicente Sales, informando que a editora Guajarina, de Belém-PA, ao divulgar, por volta de 1920, um catálogo de 35 títulos de autores como Leandro Gomes de Barros, João Melchíades Ferreira e Firmino Teixeira do Amaral (entre outros), classifica os folhetos como “literatura sertaneja” ou “coleção de modinhas”. (SALLES, 1985, p. 152)
Sílvio Romero, contudo, já classifica a produção de Santaninha como Literatura de Cordel. Desde a primeira edição do livro Estudos sobre a Poesia Popular do Brasil, publicada em 1879-1880, Silvio Romero já faz uma leve referência ao “pequeno poeta”:

A literatura ambulante e de cordel no Brasil é a mesma de Portugal. Os folhetos mais vulgares nos cordéis de nossos livreiros de rua são: A história da Donzela Theodora, A Imperatriz Porcina, A Formosa Magalona, O Naufrágio de João de Calais – a que juntam-se Carlos Magno e os Doze Pares de França, O testamento do Galo e da Galinha, e agora bem modernamente – as Poesias do Pequeno Poeta João Sant’Anna de Maria sobre a Guerra do Paraguay [ROMERO, 1977, p. 257]

Da biografia de Santaninha, muitos dados eram desconhecidos até recentemente, a começar pela data e lugar de seu nascimento. O que nunca foi questionado foi o fato que viveu no Ceará, onde acompanhou atentamente o desenrolar da Guerra do Paraguai (1864-1870), escrevendo um longo poema que era uma espécie de carro-chefe de suas apresentações, antes de se mudar definitivamente para o Rio de Janeiro. Sabe-se a data em que teria se fixado na Capital do Império: 1877, como informa o célebre Dicionário Biobibliográfico Cearense, do Barão de Studart, no qual se registram outros dados sobre o autor:

João Sant’Anna de Maria – É o celebre Santaninha, afamado improvisador e tocador de rabeca. Foi trabalhador de um sitio da família Sombra em Maranguape, onde era muito popular, e, tendo se retirado para o Rio em 1877, ali faleceu alguns anos depois, após ter granjeado larga fama como rabequista popular. Publicou: — Guerra do Paraguai. Imposto do vintém. O Célebre Chapéu de Sol. A Seca do Ceará, folheto de pp., Rio de Janeiro, Livraria do Povo, Quaresma & C.a, Rua de S. José, 65 e 67. Além dessas suas afamadas cantigas, há mais Outras Poesias, que vi citadas em um catálogo da antiga livraria de Serafim José Alves, Rio. (STUDART, 1910-1915, verbete “João Sant’Anna de Maria”).



Página de um folheto de Santaninha sobre a Guerra do Paraguai, escrito em 1871.

JUSTIÇA PARA SANTANINHA
(trecho do prefácio do livro, assinado pelo pesquisador Marco Haurélio)

Os esforços envidados pelos poetas e pesquisadores Arievaldo Vianna e Stelio Torquato Lima para trazer à baila a fascinante e fugidia personagem Santaninha, pseudônimo de João Santana de Maria, pioneiro da literatura de cordel brasileira, representam um salto qualitativo poucas vezes visto nos estudos da poesia popular. A certeza fulminante advinda da pesquisa, agora transformada em livro, é a de que a cronologia do cordel precisa ser urgentemente revista. Santaninha antecede, em pelo menos duas décadas, Leandro Gomes de Barros (1865-1918), o paraibano genial que nos legou alguns dos maiores clássicos do gênero.
Por que, então, seu nome não consta ou é citado marginalmente por uma reduzida gama de pesquisadores? Por que não há qualquer referência a ele no Dicionário Biobibliográfico de Repentistas e Poetas de Bancada, de Átila Almeida e José Alves Sobrinho?

Bem, são muitas as perguntas, e os autores deste livro respondem à maior parte delas com a desenvoltura de quem foi além das fontes primárias. À parte a conhecida e repisada citação de Sílvio Romero em seus Estudos da poesia popular, Arievaldo e Stelio recorreram a acervos, recortes de jornal e obras de referência há muito fora de circulação. Se Santaninha, a princípio, era uma personagem distante, quase evanescente, a pesquisa criteriosa, deu-lhe um rosto, esboçou traços de sua personalidade e reconstruiu sua trajetória de migrante que deixou o Ceará e se instalou no Rio de Janeiro, tornando-se, na capital federal, um cronista popular. Citei-o brevemente, reproduzindo, em nota, o verbete do Barão de Studart que também consta deste volume. Sabia de sua importância, mas não fazia ideia de como inseri-lo no universo da literatura de cordel, tal como se estabeleceu a partir do modelo legado principalmente por Leandro Gomes de Barros. Este livro faz isso muito bem e vai além. (...)




MATÉRIA NO JORNAL DOS MUNICÍPIOS (Jornalista Zeudir Queiróz):  http://jmunicipios.com.br/noticias/municipios/fortaleza/pesquisa-joga-novas-luzes-sobre-os-primordios-do-cordel-brasileiro/


FOTOS DA MESA REDONDA 
SOBRE SANTANINHA (18/04)








terça-feira, 21 de março de 2017

A LIÇÃO DO PINTO



O amigo é um simples trabalhador brasileiro, assalariado e sofrido lutando para se aposentar? Está se sentindo mais apertado que um pinto no ovo? Então, esqueça a cagada do PATO e aprenda a LIÇÃO DO PINTO. Um belo poema do genial PATATIVA DO ASSARÉ!

Lição do pinto
(Patativa do Assaré)

(Versos recitados pelo autor em um comício em favor da anistia)

Vamos meu irmão,
A grande lição
Vamos aprender,
É belo o instinto
Do pequeno pinto
Antes de nascer.

O pinto dentro do ovo
Está ensinando ao povo
Que é preciso trabalhar,
Bate o bico, bate o bico
Bate o bico tico-tico
Pra poder se libertar.

Vamos minha gente,
Vamos para frente
Arrastando a cruz
Atrás da verdade,
Da fraternidade
Que pregou Jesus.

O pinto prisioneiro
Pra sair do cativeiro
Vive bastante a lutar,
Bate o bico, bate o bico,
Bate o bico tico-tico
Pra poder se libertar.

Se direito temos,
Todos nós queremos
Liberdade e paz,
No direito humano
Não existe engano,
Todos são iguais.

O pinto dentro do ovo
Aspirando um mundo novo
Não deixa de beliscar
Bate o bico, bate o bico,
Bate o bico tico-tico
Pra poder se libertar.
__


Poema publicado no livro Ispinho e Fulô, de Patativa do Assaré (1988).


segunda-feira, 20 de março de 2017

O REFORMADOR DA NATUREZA


Ilustração de LEBLANC

A Reforma da Natureza

Américo Pisca-pisca tinha o hábito de botar defeito em todas as coisas. O mundo para ele estava errado e a natureza só fazia tolices.
- Tolices, Américo?
- Pois então?!... Aqui neste pomar você tem uma prova disso. Lá está aquela jabuticabeira enorme sustentando frutas pequeninas, e mais adiante vejo uma colossal abóbora presa ao caule de uma planta rasteira. Não era lógico que fosse justamente o contrário? Se as coisas tivessem que ser reorganizadas por mim, eu trocaria as bolas - punha as jabuticabas na aboboreira e as abóboras na jabuticabeira. Não acha que eu tenho razão?
E assim discorrendo, Américo provou que tudo estava errado e só ele era capaz de dispor com inteligência o mundo.
- Mas o melhor - conclui ele - é não pensar nisso e tirar uma soneca à sombra dessas árvores, não acha?
E Américo Pisca-pisca, pisca-piscando que não acabava mais, estirou-se de papo para cima à sombra da jabuticabeira.
Dormiu. Dormiu e sonhou. Sonhou com o mundo novo, inteirinho, reformado, reformado pelas suas mãos. Que beleza!
De repente, porém, no melhor do sonho, plaf!, uma jabuticaba cai do galho bem em cima do seu nariz.
Américo despertou de um pulo. Piscou, piscou. Meditou sobre o caso e afinal reconheceu que o mundo não estava tão malfeito como ele dizia. Ele foi para casa refletindo:
- Que espiga!... Pois não é que se o mundo tivesse sido reformado por mim a primeira vítima teria sido eu mesmo? Eu, Américo Pisca-pisca, morto pela abóbora por mim posta no lugar da jabuticaba? Hum!... Deixemo-nos de reformas. Fique tudo como está que está tudo muito bom.


A Reforma da Natureza, Monteiro Lobato


* * *


segunda-feira, 13 de março de 2017

13 de março

Acervo: Museu da República

DATA DE NASCIMENTO 
DE ANTÔNIO CONSELHEIRO


Antônio Vicente Mendes Maciel, conhecido popularmente como Antônio Conselheiro, foi um beato, líder religioso e social brasileiro. Nasceu em Quixeramobim (Ceará) em 13 de março de 1830 e faleceu em Canudos (Bahia) em 22 de setembro de 1897.

Embora perseguido pelas autoridades republicanas, Antônio Conselheiro peregrinava pelo sertão do Nordeste (marcado pela seca, fome miséria), levando mensagens religiosas e conselhos sociais para as populações carentes. Conseguiu uma grande quantidade de seguidores, sendo que muitos o consideravam santo. 


Essa data é celebrada anualmente em Quixeramobim-CE, sua cidade natal, através de ampla programação envolvendo escolas e a comunidade em geral. O SESC Quixeramobim, um dos principais articuladores do Conselheiro Vivo, realiza palestras, exposições, concursos envolvendo as escolas e outras atividades.

Única fotografia de Antônio Vicente Mendes Maciel quando vivo.


Professor Aleiton Fonseca, escritor baiano que participou da 
Semana do Conselheiro Vivo, e sua esposa Rosana, em Quixeramobim.


Reunião da AQUILETRAS - Academia de Letras, Artes e Ciências
de Quixeramobim-CE


Poeta JoãoMelchíades Ferreira da Silva
ex-combatente de Canudos e autor de um folheto
sobre a guerra.


RESUMO DA PALESTRA SOBRE A GUERRA 

DE CANUDOS NA LITERATURA DE CORDEL 


A VISÃO DO EX-COMBATENTE JOÃO MELCHÍADES FERREIRA DA SILVA, O CANTOR DA BORBOREMA.

Palestra proferida em Quixeramobim-CE, no dia 10/03
por Arievaldo Vianna e Stélio Torquato.
Participação especial do escritor Aleilton Fonseca
Mediador: Bruno Paulino




Distinto público, nós vamos conhecer agora a incrível saga de um dos patriarcas da Literatura de Cordel. Neto de um beato discípulo do Padre Ibiapina, foi raptado por ciganos aos 7 anos de idade, na terrível seca de 1877. Ingressou no Exército em 1888 e combateu na Guerra de Canudos. Segundo o pesquisador baiano José Calazans, é autor de um dos primeiros folhetos escritos sobre a Guerra de Canudos e publicado em 1904. Como poeta popular é o criador do Valente Zé Garcia, romance fartamente elogiado por Câmara Cascudo em Vaqueiros e Cantadores. Personagem do Romance da Pedra do Reino de Ariano Suassuna e autor de uma versão do Pavão Misterioso... Com vocês João Melchíades Ferreira da Silva, O Cantor da Borborema.


O sertanejo é antes de tudo um forte, diz a frase clássica de Euclides da Cunha. Essa máxima pode ser atribuída tanto aos conselheiristas que lutaram em defesa do Arraial de Canudos como dos soldados dos batalhões nordestinos que se integraram ao exército republicano. O soldado nordestino, por conhecer melhor a região e a índole dos seguidores de Antônio Conselheiro foi o elemento responsável pelo equilíbrio da luta. Citemos como exemplo a tomada das trincheiras do rio Cocorobó, em junho de 1897, na qual se destacou o poeta João Melchíades Ferreira da Silva, promovido a sargento por atos de reconhecida bravura durante aquela refrega.
A função do verdadeiro pesquisador é percorrer mares nunca dantes navegados. É garimpar em terrenos desconhecidos, tirar proveito do que já foi colhido sem descuidar-se de acrescentar novidades ao assunto. O pesquisador José Calazans, ao escrever o estudo “CANUDOS NA LITERATURA DE CORDEL” bebeu em fontes que não haviam sido pesquisadas pelo o autor de ‘Os Sertões’ nem por outros estudiosos da vida de Antônio Conselheiro. Aliás, antes dele Sílvio Romero já havia recolhido no seio da musa popular quadrinhas como estas:

Do céu veio uma luz
Que Jesus Cristo mandou
Sant'Antonio Aparecido
Dos castigos nos livrou.

Quem ouvir e não aprender
Quem souber e não ensinar
No dia do juízo
A sua alma penará”.

Conforme José Calazans, “Os versos, que lembram o responso de Sant'Antonio, eram, sem dúvida alguma, os primeiros de uma dilatada série de composições referentes ao Bom Jesus Conselheiro e ao povoado de Canudos, onde o místico cearense iria se fixar em 1893, já desfrutando de grande prestígio no seio da comunidade sertaneja. A produção rimada sobre o “messias” cearense pode ser apontada, em nossos dias, como das maiores da nossa poética popular.”

Essa tosca produção poética dos seguidores de Antônio Conselheiro não passou despercebida ao escritor Euclides da Cunha, que a ela se refere em sua obra magna, o livro OS SERTÕES:  “(...) no mais pobre dos saques que registra a história, onde foram despojos imagens mutiladas e rosários de côcos, o que mais acirrava a cobiça dos vitoriosos eram as cartas, quaisquer escritos e, principalmente os desgraciosos versos encontrados. Pobres papeis, em que a ortografia bárbara corria parelhas com os mais ingênuos absurdos e a escrita irregular e feia parecia fotografar o pensamento torturado, eles, resumiam a psicologia da luta. Valiam tudo porque nada valiam”. E numa outra passagem, mais adiante, conclui desta maneira: “Os rudes poetas rimando-lhe [do Conselheiro] os desvarios em quadras incolores, sem a espontaneidade forte dos improvisos sertanejos, deixaram bem vivos documentos nos versos disparatados que deletreamos pensando, como Renan, que há, rude e eloquente, a segunda Bíblia do gênero humano, nesse gaguejar do povo”

Na opinião de Calasans, o autor de “Os Sertões” sentiu a importância que os conselheiristas davam às criações da ira anônima, usadas como armas de combate na guerra de vida e morte da jagunçada contra as forças poderosas da República. Dir-se-ia que versejar ajuda a combater. Os conselheiristas, enfrentando dificuldades sem conta, não abandonaram as musas nas horas difíceis e dramáticas da peleja suicida.
E conclui o eminente pesquisador baiano: “Vem da própria gente do Conselheiro a primeira contribuição ao hinário canudense.”

Além dos poetas anônimos, seguidores de Conselheiro, tivemos também um militar paraibano engajado no Exército Republicano que escreveu e publicou uma versão rimada da Guerra de Canudos. Esse poeta foi contemporâneo de Leandro Gomes de Barros, Silvino Pirauá de Lima e Chagas Batista e pode ser considerado um dos pilares do nosso romanceiro popular.
Nosso desafio agora é falar um pouco desse poeta que foi combatente e testemunha ocular da queda de Canudos. Trata-se do paraibano de Bananeiras João Melchíades Ferreira da Silva, o “Cantor da Borborema”, nascido em 1869 e falecido em 1933. Em suma, um poeta, um sertanejo e acima de tudo um forte.  
Num folheto escrito após a guerra e publicado em 1904, após ser reformado como Sargento do Exército Brasileiro, Melchíades registrou versos como estes descrevendo a fuga atropelada do General Tamarindo, chefe interino da Terceira Expedição, após a morte do “corta-cabeças” General Moreira César:

“Escapa, escapa, soldado
Quem tiver perna que corra
Quem quiser ficar que fique
Quem quiser morrer que morra,
Há de viver duas vezes
Quem sair desta gangorra.”

João Melchíades Ferreira, neto do beato Antônio Simão, discípulo fiel do Padre Ibiapina, sentou praça ainda na Monarquia e com o advento da República foi convocado a combater em Canudos e posteriormente no Acre. Seus descendentes guardam manuscritos de sua esposa Senhorinha onde o poeta descreve os horrores da guerra, que assistiu de perto, ao contrário de Euclides da Cunha, que jamais esteve na linha de frente de combate.  Segundo dona Senhorinha, Melchíades voltou meio surdo e traumatizado com a crueldade dos combates. Chorava quando lembrava das mães carbonizadas com os filhinhos no colo... Vejamos, a seguir, trechos do poema OS HOMENS DA CORDILHEIRA, onde o poeta descreve o seu avô materno, o beato Antônio Simão, seguidor do Padre Ibiapina:

OS HOMENS DA CORDILHEIRA (Fragmentos) – De cópia pertencente ao acervo FUNDOS VILLA-LOBOS: – Páginas 19 a 21

Tu vês aquela capela
Do Olho D’água de Fora
Bem na testa da montanha
Que Manoel da Silva mora?  
Dá uma história bonita
Que hás de saber agora.

Ali morava um beato
De nome Antônio Simão
Que vivia em penitência
Igual a um ermitão
Porque Padre Ibiapina
Deu-lhe esta obrigação.

Era proibido falar
No dia de sexta-feira,
Jejuava quarta e sexta,
Depois a quaresma inteira
Ensinava a doutrina
Ao povo da Cordilheira.

Trajava um manto azul
Camisola de algodão
E não usava chapéu
Só vivia de oração,
Às quatro da madrugada
Já estava em devoção.

Ensinou muita leitura
A homem, mulher e menino
Estudou para ser padre
Depois mudou o destino
Foi cumprir a penitência
Que lhe deu Ibiapina.

Fez esta capela em nome
Da Virgem da Conceição
Aonde ensinava a ler
E pregava a religião
Aqui recebi das letras
Minha primeira lição.

Num rancho junto a capela
Nosso beato vivia
Somente uma filha louca
Lhe fazendo companhia
Porém o Manoel da Silva
Do mestre não se esquecia.

Foi de Manoel da Silva
Sogro e seu professor
Esta lembrança o Silva
Conserva como penhor
Eu que sou neto e discípulo
Também tenho o mesmo amor.

Em julho de noventa e oito
Já nosso mestre sofria,
Quando apontou para o sol
Somente a mão se estendia
Às quatorze horas da tarde
Era a hora em que morria.

Então neste cemitério
Foi o mestre sepultado
Ficou Manoel da Silva
Da capela encarregado
Fez outra capela nova
Prédio mais acrescentado.

(...)

Observem como o beato ANTÔNIO SIMÃO, avô do poeta João Melchíades, parecia como o beato ANTÔNIO VICENTE MENDES MACIEL, O CONSELHEIRO DE CANUDOS. Ambos foram influenciados pelas prédicas do virtuoso Padre Ibiapina e trajavam-se de maneira semelhante.

Entretanto, a visão de JOÃO MELCHÍADES sobre a Guerra de Canudos não poderia ser outra. Ele era militar, membro do Exército Brasileiro e ex-combatente de Canudos. É natural que assumisse a defesa da República, contra a ideologia pregada e praticada por Conselheiro e seus adeptos. Diferentemente de Euclides da Cunha, ele se recusa a enxergar algum mérito naquele grupo de valentes sertanejos que se insurgiu (e venceu, em algumas ocasiões) o Exército brasileiro. Certamente a propaganda do Governo Republicano para justificar o terrível genocídio praticado em Canudos calou mais alto na memória do poeta militar. Eis alguns trechos do poema, possivelmente o primeiro escrito sobre a tragédia que abalou os sertões da Bahia:

A GUERRA DE CANUDOS*
João Melchíades Ferreira da Silva

No ano noventa e seis
o Exército brasileiro
Achou-se então comandado
Pelo general guerreiro
De nome Arthur Oscar
Contra um chefe cangaceiro.

Ergueu-se contra a República
O bandido mais cruel
Iludindo um grande povo
Com a doutrina infiel
Seu nome era Antônio
Vicente Mendes Maciel.

De alpercatas, um cajado
Armado de valentia
Seu pensamento era o crime
Outra coisa não queria
Agradou-se de Canudos
Que é sertão da Bahia.

E para iludir ao povo
Ignorante do sertão
Inventou fazer milagres
Dizia em seu sermão
Que virava a água em leite
Convertia pedra em pão.

Criou-se logo em Canudos
Um batalhão quadrilheiro
Para exercitar os crimes
Desse chefe canganceiro
Então lhe deram tres nomes
De Bom Jesus Conselheiro.

(...)

Um dos momentos mais brilhantes da narrativa, onde Melchíades se vê forçado a reconhecer a bravura dos conselheiristas, trata-se justamente do momento da fuga desesperada do General Tamarindo:

No Angico, Tamarindo
Terminou sua partida
Foi varado de uma bala
Dizendo: " - Pela ferida,
Dou quatro contos de réis
A quem salvar minha vida!"

Senhor Major Cunha Matos
Tome conta da brigada
Sustenta o fogo de costas
Com a mesma retirada
E não me deixe morrer
Nas mãos dessa jagunçada.

Escapa, escapa soldado,
Quem tiver perna que corra
Quem quiser ficar que fique
Quem quiser morrer que morra
Há de nascer duas vezes
Quem sair desta gangorra.

* A íntegra do poema pode ser encontrada na Antologia da Literatura de Cordel, de Sebastião Nunes Batista, publicada em 1977 pela Fundação José Augusto, de Natal-RN. Acreditamos que o mesmo tenha sido publicado na Popular Editora, de Chagas Batista, depois que Melchíades foi reformado do Exército e passou a se dedicar ao cordel e à cantoria.

OUTRA VISÃO SOBRE O CONSELHEIRO

Recomendamos também a leitura da obra 'A HISTÓRIA DE ANTONIO CONSELHEIRO', do poeta Geraldo Amâncio, uma obra-prima que narra magistralmente a Saga de Canudos, escrito mais de 100 anos após a publicação do folheto de João Melchíades. Lançamento da Editora IMEPH, com ilustrações do artista plástico Kazane, a obra saiu em edição bem cuidada, impressa em papel de boa qualidade com capa e miolo coloridos. A visão de Geraldo Amâncio é totalmente oposta a de João Melchíades. Uma prova de que o cordel evoluiu não apenas na linguagem, mas também na visão crítica dos fatos que compõem a história.

A HISTÓRIA DE ANTONIO CONSELHEIRO
(Geraldo Amancio)

Conselheiro foi um homem
De espírito combativo.
Obstinado e valente,
Decidido e combativo.
Com tanta sabedoria
Conselheiro merecia
Por mil anos ficar vivo.

Do homem cresce o valor
Quando a história compara.
O Brasil tem a mania
De enaltecer Che Guevara
Talvez por ser estrangeiro.
Nosso Antonio Conselheiro
Foi uma jóia mais rara.

(...)

Montou primeiro um comércio
Para comprar e vender.
No magistério ensinava
Ler, contar e escrever.
E no foro trabalhava,
De toda forma buscava
Meios pra sobreviver.

Em qualquer trabalho tinha
Bravura e muita coragem.
Porém, Euclides da Cunha
Denegrindo a sua imagem
De uma maneira mesquinha
Diz n"Os Sertões que ele tinha
Tendência pra vadiagem.

(...)

Com o padre Ibiapina
Muitas lições aprendeu.
Esse sim, amou os pobres,
Do que tinha ofereceu.
Angariou donativos...
"É melhor dar pão aos vivos
Do que chorar quem morreu".

Antonio tornou-se arauto
Dos sem pátria, dos sem nome.
Sabia ouvir o sussurro
Da multidão que não come.
Uniu sua mágoa a eles,
Porque também era um deles
Conhecia a dor da fome.


(...)

Conselheiro interpretava
A Bíblia à sua maneira.
Não obedecia a bispo,
Nem a padre, nem à freira.
Se ainda existisse a mão
Da tal Santa Inquisição
Seu destino era a fogueira.

Com isso, logo alguns padres
Mostraram-se intolerantes
Dizendo que as leis da Terra
Tinham de ser como antes:
Que o cobre se desse ao nobre,
Tinha que haver rico e pobre,
Os mandados e os mandantes.

Naqueles sertões desertos,
De esquisitos carrascais,
Multidões embevecidas
Ouviram sermões de paz
Do maior dos conselheiros.
Isso para os fazendeiros
Era incômodo demais.