ICÓ, A TERRA DO LOURO
Em março de
1991, a comunidade de Vila Campos, município de Canindé, foi cenário de um
especial da Rede Globo de Televisão, exibido com o título de “Os homens querem
paz” em abril do mesmo ano. Quem comandava a equipe de filmagens era a
produtora Maria Alice, cearense do Icó. O Zerivaldo Secundino, um gozador de
peso e medida, ao saber que a moça era natural do Icó foi logo soltando uma das
suas:
—
Ai vai? É da “Terra do Louro”?!
A mulher fechou
a cara e parece não haver gostado nem pouco da brincadeira. Eu que sempre fui
curioso por esse tipo de assunto fui logo me aproximando do Zerivaldo e
perguntando a origem desse epíteto dado ao município cearense. Ele me contou a história de um louro que foi salvo de uma enchente no Icó e ao saber onde se encontrava, protestou que queria continuar a descer de rio abaixo.
* * *
Icó é conhecida
como a Terra do Louro. Essa denominação parece ter origem na antiga rivalidade
entre Aracati e Icó. Nos primórdios da colonização do Ceará as duas vilas eram
os polos mais importantes da Província do Siará Grande, como “Vilas de Brancos”
nos Séculos XVIII e XIX.
Dentre as
versões sobre a famosa história do louro, a que busca raízes históricas é que à
época do Brasil Colônia, os periquitos, chamados de Louros eram uma verdadeira
praga, devorando todas as plantações e lavouras. Foi então baixado um Alvará
Régio ou alguma Portaria da Capitania do Ceará, autorizando a dizimação das
aves (papagaios, periquitos e afins). As cabeças dos louros deveriam ser
apresentadas, em atilho, ocasionalmente à autoridade para pagamento. Conta-se que
o Icó bateu o record. Daí ter sido
chamada "Terra do Louro". Lembro-me de ter lido algo a respeito numa
obra de João Brígido ou nas Memórias do professor Manuel Ximenes Aragão, publicadas
na Revista do Instituto Histórico do Ceará.
A outra versão
mais conhecida e a mais antiga, narra que por ocasião de uma enchente, daquelas
que deixam o Rio Salgado caudaloso, descia um papagaio falante e aos gritos
“Salve-me, Acudam-me”. Ao chegar à ribeira dos icós, foi resgatado pelos
icoenses aflitos com o destino do papagaio. O bichinho, então resgatado das
águas perguntou:
—
Que terra é esta, meu povo?
—
É o Icó, meu Louro! Responderam os seus salvadores.
O Louro
balançou a cabeça em visível desalento e foi logo dizendo:
—
Puxa vida! Era só o que me faltava! Me joguem de volta na enchente, que nessa
terra eu não fico nem amarrado!
Segundo um
texto publicado no blog Icó na Rede (http://iconarede.blogspot.com.br/),
antigamente essa pilhéria enfurecia o povo do Icó, era motivo de contendas,
brigas e olhe lá, até bala... Essa última versão é mais conhecida e hoje se
conta por ai, Brasil afora, quando se fala do Icó. Mas longe das rixas antigas
o icoense também ri dela e tornou o papagaio seu maior símbolo.
O CARREIRO E
O PAPAGAIO
Monteiro Lobato
Vinha um
carreiro à frente dos bois, cantarolando pela estrada sem fim. Estrada de lama.
Em certo ponto o carro atolou.
O pobre homem aguilhoa os bois, dá pancadas, grita;
nada consegue e põe-se a lamentar a sorte.
— Desgraçado que sou! Que fazer agora,
sozinho neste deserto? Se ao menos São Benedito tivesse dó de mim e me
ajudasse…
Um papagaio escondido entre as folhas condoeu-se
dele e, imitando a voz do santo, começou a falar:
—
Os céus te ouviram, amigo, e Benedito em pessoa aqui está para o ajutório que
pedes.
O carreiro, num assombro, exclama:
— Obrigado meu santo! Mas onde estás que
não te vejo?
— Ao teu lado. Não me vês porque sou invisível.
Mas, vamos, faze o que mando. Toma da enxada e cava aqui. Isso. Agora a mesma
coisa do outro lado. Isso. Agora vais cortar uns ramos e estivar o sulco
aberto. Isso. Agora vais aguilhoar os bois.
O carreiro fez tudo como o papagaio mandou e com
grande alegria viu desatolar-se o carro.
— Obrigado, meu santo! — Exclamou
ele de mãos postas. — Nunca me hei de esquecer do grande socorro prestado, pois sem
ele eu ficaria aqui toda a vida.
O papagaio achou muita graça na ingenuidade do homem
e papagueou, como despedida, um velho rifão popular: “Ajuda-te, que o céu te
ajudará .”
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